"Seria bacana se a gente pudesse dissolver a ilusão de que para sermos
amados temos que ser outros que não nos habitam. Outros que não
somos. Outros que, no fundo, não podemos ser, mas também não
precisamos. Ter outras caras. Outros corpos. Outros gostos.
Outros sonhos. Outros jeitos.
É inútil qualquer esforço de tentar caber onde o nosso coração não está.
Onde ele não pode nadar livremente, no tempo e no ritmo
das próprias braçadas, aproveitando, feliz, o contato com a vida.
Há um desperdício imenso de energia nessa história.
É tenso demais viver para agradar, em troca de pertencimento, reconhecimento, alguma afeição. Maquiar as
emoções, boicotar a própria essência, trocar a luz natural por
luminárias artificiais, bolar planos fantásticos para chegar ao coração
de quem quer que seja. Cansa, só de imaginar.
Além de inútil, é perigoso. Perigoso porque dói, […] É trabalhoso
demais tentar ser o que não se é. Exaustivo. Drenagem pura.
E, no fim das contas, o que buscam essas pessoas que queremos
que nos amem? Procuram por nós ou pelas pessoas que tentamos parecer?
Por nós ou pelas pessoas que querem que sejamos? Se não for por nós,
não tem importância alguma. A leveza escoa, assustada, ralo afora.
Se não for por nós, não é de verdade.
De vez em quando nós lembramos para, em geral, esquecer outra
vez pouco depois: o amor não pede esforço. O amor acontece."
- Ana Jácomo