"Somos como o ano velho, por isso tememos o novo.
O que estou fazendo com as minhas partes que ficaram paradas?
O que você está fazendo com as suas?
O que estou fazendo para renovar o que há de antigo em mim, tão arraigado que até já o suponho convicção?
O que você está fazendo com o que há de antigo em você, e que talvez se exteriorize com a aparência de ser o mais moderno?
Somos como o ano velho. Como um montão de anos velhos, acumulados. Vivemos a repetir o que já sabemos, o que já experimentamos. Repetimos, também, sentimentos, opiniões, idéias, convicções. Somos uma interminável repetição, com raras aberturas reais e verdadeiras para o novo do qual cada instante está prenhe.
Somos muito mais memória do que aventura; mais eco que descoberta; mais resíduo que suspensão. Somos indissolúveis, pétreos, papel carbono, xerox existencial, copiadores automáticos de experiências já vividas, fotografias em série das mesmas poses interiores. Somos um filme parado com a ilusão de movimento. Só acreditamos no que conhecemos. Supomos que conhecer é saber.
Viciados nas próprias crenças, somos dependentes das próprias verdades, toxicômanos das próprias convicções. E como ocorre em todas as dependências precisamos repetir as nossas verdades para que não caiamos no pânico da dúvida, na ameaça da mutação.
[...]
Assim vejo o Ano Novo. Como a esperança dessa renovação, que tem um nome: criatividade. Criar é manter a vida viva. Criar é ganhar da morte. Morte é tudo o que deixou de ser criado. Criatividade, é pois, um conceito imbrincado no de vida. Não há como separar os dois conceitos. Vida é criação e criação é vida. Só a criatividade nos dará uma possibilidade de solução para cada desafio do novo. As soluções jamais se repetem. Nós é que nos repetimos por medo, comodismo ou burrice.
Adoramos repetir, tememos renovar, por isso, tanto sofremos."
( Artur da Távola)