– Onde dói?
– Aqui no coração.
Mais uma consulta. Mais pedidos de exames. Aquele já era o terceiro médico. Até ali tudo normal. O que tinha, afinal, aquele jovem coração sofredor?
O velho pediatra, o cardiologista da família, o tio neurologista, a prima otorrino. Todos foram consultados. O que um neuro e uma otorrino têm a ver com coração? Não implique! Na hora do desespero você também deve sair perguntando a todo mundo. Não pergunta?
Eco, exame de esforço, eletro: normal. O que dói? Dói a alma. Almas doem pelo corpo. Mas,tímidas, não aparecem em fotos. Não tiram selfie. Não se mostram nem nos exames mais sofisticados e coloridos. Não fazem exposição da figura. Dores da alma doem no corpo como ferida aberta e sem casca. É por onde elas saem. Cada um tem seu órgão de choque. Há quem sinta o mundo com a barriga. Outros têm enxaquecas terríveis, azia, insônia, perdas de apetite.
De dores cada um tem uma mala cheia. A gente disfarça ou não. Desabafa com o amigo ou se cala em culpas e vergonhas. No medo de murchar, não desabrocho. No medo de perder, não amo. Medo de desagradar e não ser mais querido, engulo sapos.
Vou colecionando afetos como panela de pressão com defeito. Nada sai. Até que um dia a gente explode. Quem parecia tão calmo, um dia explode em raiva, pranto e angústia. Não era calmo? Não, não era.
O casal chega no consultório. A moça muito amuada, me olha desconfiada. O marido começa a falar.
– Ela anda triste. Não consegue mais cuidar nem dela mesma. Chora muito. Às vezes parece que chora à toa, sem motivo. Falei para ela vir aqui procurar uma ajuda. Ela se ofendeu comigo. Disse que não é doida.
A moça, ofendida, quase pulou do sofá.
– E não sou mesmo, viu, doutora? Não sou doida. Não vou ficar aqui. Não vou fazer essas coisas de doido. Quem precisa de tratamento é ele. Pois ele que fique.
Quem precisa de tratamento? Olhando assim bem de perto, diria que todo mundo. Não pelas esquisitices que cada um traz guardadas no bolso. Mas pelas dores tantas e tão profundas que, às vezes, nos impedem de caminhar.
Posso ser esquisitíssimo. Sou Feliz? É o que me basta. Não sou? Então, tenho que tomar providências. Porque a vida é muito curta para passar sofrendo, não é não?
A psicoterapia é pescadora de almas. Faz o resgate dos pedaços perdidos pelo caminho. É o processo de reconstrução das falas, dos afetos presos, dos medos e das dores. Isso é coisa de maluco? Amigos, maluca é a vida. Vida é coisa louca.
Não me assusta ser louca. Me assusta é ser infeliz. Imersa na lama de mágoas. Paralisada nas areias movediças dos ressentimentos. A terapia abre portas trancadas, destrava janelas, areja afetos. Deixa entrar luz onde só havia medo e vergonha. Relê histórias antigas, descobre novas versões. Colorimos o que antes era triste bege. Velhos lutos fechados se abrem em nova vida.
(Por Mônica Raoulf El Bayeh)